Transcrição de entrevista com Casagrande sobre o livro Travessia

Confira a íntegra da entrevista realizada para o podcast do Instituto Claro. A transcrição é do jornalista Daniel Grecco. 


Walter Casagrande Jr.: Olá pessoal, eu sou o Walter Casagrande Jr., ex-jogador de futebol e atual comentarista da TV Globo.

Abud: [Depoimentos de artistas do rock] Vieram das relações com a música e dos amigos que estão no livro a impulsão para superar as drogas?

Walter Casagrande Jr.: Cara, é assim, eu sempre gostei do rock´n roll, desde pequeno, cinco, seis anos de idade eu já ouvia os discos de rock que tinha na minha casa. Depois eu comecei a comprar os discos. Eu sou muito apaixonado pela música, eu posso até te dizer que eu sou um guitarrista frustrado. E os caras....  foi muito fácil eu começar a ter amizade com eles, porque todos eles gostavam de futebol. Eu conheci o Carlini, que é da banda Tutti Fruti, mas da época da Ritta Lee – e a gente estava indo os dois conversar com o Raul Seixas, mas sem saber que ia naquele momento. Eu conheci o Carlini dentro do elevador. E aí, *@!?, nós ficamos super amigos, ele corintiano, eu louco por rock, fã do cara (o cara é um dos maiores guitarristas do rock brasileiro de todos os tempos); e aí foi indo, o Nazi também sãopaulino, gosta de futebol; o Nando Reis, o Paulo Miklos, o Marcelo Fromer, que faleceu em 2001 (era muito meu amigo mesmo), tudo relacionado com eu gostando do rock e os caras do rock gostando do futebol. Num período estávamos todos nós na mesma pegada, na mesma estrada, só que eu acelerei a minha estrada, acelerei. E aí eles começaram a ficar preocupados comigo, tentaram me ajudar de todas as maneiras, mas eu não respondia à tentativa de ajuda deles porque eu já estava totalmente envolvido com a droga naquele momento. A droga já estava dominando, já tinha dominado, eu não tinha mais escolha nem nada; mas eles tentaram muito me ajudar durante o período mais crítico.                

Abud: Sobre o outro livro que fala da sua relação com o Sócrates, o quanto a convivência de vocês foi inspiradora ou prejudicial com as drogas?

Walter Casagrande Jr.: Na realidade a minha relação com o Magrão ela nunca foi destrutiva ou de incentivar o meu uso de drogas. Nunca foi porque eu respeitava muito o Magrão. Então, por exemplo, quando eu tinha um encontro com o Magrão eu no máximo fumava um baseado, não usava nenhuma droga mais pesada. E na maioria das vezes eu não usava nada, eu ia curtir com ele, conversar com ele, beber cerveja com ele. Então a presença do Sócrates na minha vida nunca foi destrutiva, sempre foi produtiva, sempre foi pra cima; sempre foi de troca de conhecimento, de troca de ideias e de troca de pensamentos, de idealizações; trocas políticas, inclusive, cultural também. O Magrão não teve nenhuma responsabilidade na minha destruição com as drogas, nenhuma responsabilidade, como eu também não tive nenhuma responsabilidade no alcoolismo dele, porque eu bebia muito pouco. E comecei a beber, na realidade, cerveja com eles - Magrão, Adilson – aí eu experimentava a cerveja, experimentei e, para fazer companhia, eu gostei da cerveja. Mas eu não bebia muito e então eu não incentivava ele a beber. Eu acho até que quando nós estávamos só nós dois ele bebia menos porque eu não era uma companhia; como ele não era uma companhia pra mim para usar drogas, porque ele não usava drogas.

Abud: Esse terceiro livro traz a abordagem da Travessia. Sobre os relatos mais pesados no primeiro livro, dos Demônios, acabaram se transformando na superação que a gente acompanha na Travessia?

Walter Casagrande Jr.: Primeiro o seguinte, quando eu fui internado a primeira vez que eu já tinha tido problemas com visões demoníacas – antes do acidente de carro, eu tive várias visões demoníacas, inclusive eu capotei com o carro porque eu estava fugindo das visões demoníacas que eu estava vendo – foi assustador, foi aterrorizante. Quando eu fui internado pelos meus filhos, que eu fiquei internado para o tratamento, eu me tratei muito em cima disso; muito em cima de surto psicótico, porque eu estava muito drogado naquela época. Então eu não tenho nenhuma condição de dizer que aquilo era real ou não era real. Não tenho condições, porque eu estava totalmente entupido de drogas. As primeiras visões que eu tive da primeira vez eu não conseguia definir se era verdade ou não. Depois que eu me tratei, eu fiquei um ano me tratando, sai em 2008, começou a ressocialização, por isso que chama Travessia; é desse ponto, começa o livro na ressocialização até a Copa do Mundo de 2018. Então eu fui evoluindo, fui melhorando, fui melhorando, mas isso aí sempre ficou na minha cabeça, não foi uma coisa bem resolvida, inicialmente, essas visões. E elas aconteceram de novo depois em 2015, sem uso de drogas; só deprimido e com uma queda emocional. E aí foi muito mais real pra mim, foi muito mais assustador e foi muito aterrorizante mesmo, de verdade, que num momento eu senti uma energia – a minha casa era uma energia horrível; a minha casa era escura, podia estar de dia, sol e ela estava escura; era trevas mesmo, era ‘dark o negócio’. E aí num determinado dia que a coisa ficou muito pesada, muito ruim, eu fiquei meio encurralado sem saída e aí senti uma presença divina na minha casa mesmo e esses demônios foram se afastando aos poucos, se afastando aos poucos até eu perder eles de visão. E a minha casa, no outro dia, ela clareou; o cheiro dela mudou, a energia da minha casa mudou. Depois daquele dia que eu senti uma ajuda, senti a mão de Cristo na minha vida e aí aquilo mudou e eu nunca mais eu tive esse tipo de problema. Nunca mais, foi a última vez aquela. Aí eu fui para a clínica e fiquei mais sete meses porque eu ainda tinha um problema com álcool, não problema de beber muito, problema de achar que podia fazer um happy hour toda semana. E aquilo baixava a minha crítica e ficava muito difícil de eu me desligar totalmente da droga. Então eu fui para a clínica sozinho, eu que fui por minha vontade mesmo, fiquei sete meses e sai totalmente resolvido nessa situação. Foi de setembro de 2015 até março de 2016; quando eu sai em março nunca mais aconteceu mais nada. Eu nunca bebi mais, não bebi mais, não fumo mais (óbvio, não uso drogas, não bebo e não fumo).

Walter Casagrande Jr.: Isso eu fui conquistando aos poucos, numa travessia; foi fazendo uma travessia de recuperação e de transformação de comportamento, de ideias, e aí até chegar à transformação final que foi na final da Copa de Moscou, que eu fui pra lá sóbrio, fiquei sóbrio e voltei sóbrio para a minha casa; que foi o primeiro evento, a primeira Copa que eu fiz fora de casa que eu consegui fazer isso: sem a ajuda de psicólogos presencial, sem que as psicólogas estivessem comigo lá. Então, é essa a travessia, é isso que eu conto no livro.                                

Abud: Na ‘Travessia’, o quanto os familiares e principalmente seus filhos foram importantes e espécies de botes salva-vidas para superar o naufrágio?

Walter Casagrande Jr.: Cara, a família é importantíssima nesse momento. Porque o cara quando vai para o fundo do poço e é internado involuntariamente, ele fica sem chão. No meu caso, eu fui internado e não sabia nem onde era a clínica; não sabia se eu estava em São Paulo, no Brasil, se eu estava fora do Brasil; não recebia visita nenhuma, não tinha contato com ninguém. E aí você fica, *@!?; primeiro, eu achava que a TV Globo ia me mandar embora e aí apareceu a parte boa: o apoio que eu tive da TV Globo me fez pelo menos encostar, ter a parede do trabalho definida, que a TV Globo falou ‘pode se tratar que nós vamos te esperar’, me deu uma segurança; e depois quando eu soube que a minha família também estava do meu lado, não estava me julgando, não me condenou, não me acusou de nada, eu fiquei muito mais tranquilo pra fazer o tratamento. Então, numa queda emocional e fundo do poço de um dependente químico quando ele vai ser internado, o apoio familiar é imprescindível. E nem todas as famílias fazem isso. Eu acompanhei diversas pessoas daquele um ano que eu estava lá, diversas pessoas que a família não queria nem ver mais ou não ia visitar, não queria papo. E no meu caso foi completamente diferente. Depois de seis meses que começou a poder ter visita, meus pais iam lá, meus filhos iam lá, aí logo depois eu comecei a poder ter saídas de sábado, das 11 até às 17h, que eu saia com a minha psicóloga, eu ia sempre pra casa da minha irmã e toda a minha família se reunia lá: tios, tias, primos, todo mundo ia pra lá; cada tia fazia um prato diferente, doce....; era uma sensação tão gostosa de família que eu tive que me ajudou muito.          

Abud: [Episódio do Faustão]  No caso do Simon,  o quanto sentir que você estava perdendo o seu filho foi importante para ter mais incentivo pra vencer o vício?

Walter Casagrande Jr.: Então, naquele momento que teve aquela situação no Faustão, eu tinha acabado de sair da clínica, fazia poucos meses que eu estava fora da clínica e estavam acontecendo muitas coisas: a dificuldade de me ressocializar, porque eu fiquei um ano internado sem ver nada, depois que eu sai em um ano muita coisa tinha mudado em São Paulo; tinha coisa que quando eu entrei não existia e quando eu sai existia; a ponte da Água Espraiada, ali na frente da Globo, quando eu fui internado ela não existia; aí quando eu sai eu falei ‘que ponte que é essa, sabe?’; o celular – eu fiquei um ano sem celular, quando eu sai peguei o celular de novo; televisão, sabe? Foi tudo muito estranho pra mim naquele momento e os prejuízos começaram a aparecer. Um deles foi esse: meu filho falar que eu não era mais o melhor amigo dele. Eu falei ‘caramba, olha o que eu arrumei pra mim, né?’. Mas eu não encarei aquilo como uma pedra muito grande no caminho, aquilo se transformou em mais um objetivo na minha recuperação: recuperar o relacionamento familiar com meus filhos; recuperar a confiança que eles tinham em mim; a minha confiança, a minha credibilidade nos meus pais, foi isso. Tudo foi um objetivo, tudo o que aconteceu comigo depois, na ressocialização, em nenhum momento eu encarei como pedra no caminho. Eu encarei tudo como objetivo a ser conquistado.

Abud: E o que você sente que reconquistou ao deixar as drogas, o que teve de volta?

Walter Casagrande Jr.: Cara, pessoalmente, na parte emocional eu consegui: fiquei sóbrio totalmente, fiquei mais presente nas coisas, cem por cento. Hoje tudo o que eu faço eu estou cem por cento ali focado em tudo o que eu estou fazendo no meu trabalho, no meu lazer, nos meus eventos culturais; meu foco aumentou; a minha disposição aumentou, eu comecei a ir na academia, caminhar no Parque do Ibirapuera, fazer fisio; ir no cinema, ir em teatro, ir no Municipal e na Sala São Paulo ver apresentações das orquestras com música clássica; conheci o maestro João Carlos Martins, virou muito meu amigo; eu ia a todas as apresentações dele no ano; ele fazia, sei lá, seis apresentações no Teatro Municipal eu ia em todas; na Sala São Paulo eu ia em todas; então eu estava solto, eu estava livre, eu me senti livre, aquela escravidão da droga, que a droga te coloca, tinha desaparecido. Então foram todas as conquistas.... meu lado emocional ficou mais forte; hoje em dia eu lido melhor com frustração, com situações mais difíceis eu lido melhor, coisa que eu não conseguia fazer antes. Aí as partes de recuperação de relacionamento, pô, meus filhos, meus pais, meus amigos – meus amigos são meus amigos, sabe? Ninguém me largou por causa disso. Nenhuma pessoa que eu conhecia antes me abandonou porque eu abusei no uso de drogas e fui para o fundo do poço. Nenhuma pessoa me abandonou. Mas isso eu tive que demonstrar pra eles que eu tinha mudado de verdade pra que eles acreditassem em mim pra se aproximar e continuarem sendo meus amigos, entendeu? Então teve diversas conquistas; a cada dia é uma conquista. As conquistas não acabaram ainda. Todos os dias que eu faço alguma coisa é uma conquista, por exemplo, você está me entrevistando porque eu me recuperei e escrevi um livro sobre isso, eu com o Gilvan; porque se eu estivesse drogado eu não ia fazer livro nenhum e você não ia nem querer falar comigo, entendeu? A entrevista do livro é em cima da minha sobriedade. Então essas são as conquistas, entendeu?         

Abud: [Sobre o Nando Reis] Como é ser inspirador até para outros amigos no sentido de fortalecê-los a, junto com você, fazer essa travessia?

Walter Casagrande Jr.: Bom é uma satisfação e um prazer enorme, né cara? Tudo foi uma troca, todos fizeram troca; nós fizemos trocas sempre, fazemos até hoje. Eu fui inspirador do Nando, mas ele foi também para mim. Como o Carlini foi pra mim e eu tenho certeza que eu fui pro Carlini; para o Kiko, para o Branco, para o Paulo, para os outros todos também. Foi uma troca muito boa, então eu me sinto muito feliz que os meus próprios amigos me têm como referência dessa situação de ressocialização, de recuperação, de largar as drogas, de encontrar a sobriedade, sabe? E também fico muito feliz porque eu sei que centenas de pessoas espalhadas pelo Brasil me têm como referência também, porque indiretamente eu ajudei um familiar, um filho de alguém, uma filha, um marido de alguém, a esposa de alguém, o primo ou um amigo de alguém; eu fui uma referência porque eu sei diversos relatos desses tipos. Já me procuraram diversas vezes falando isso e várias me pessoas me procuram pra pedir ajuda para o filho ou para a filha sobre isso. Isso não tem preço, isso aí eu não nego de forma nenhuma.     

Abud: Você acha que esse ponto foi a partir do depoimento na Copa 2018 para inspirar outras pessoas a superarem?

Walter Casagrande Jr.: Não, desde quando eu lancei o livro “Casagrande e seus Demônios”, já foi um livro impactante porque muitas pessoas me paravam na rua, no aeroporto, dento do voo mesmo, no hotel, para falar que aquele meu livro tinha ajudado alguma pessoa da família dela, sabe?; Presente de Natal, presente de aniversário; eu tenho várias informações de pessoas que falam ‘pô, eu dei o seu livro para o meu filho, e o meu filho *?/##, ele resolveu se internar, sabe? Aí como esse terceiro livro e com a situação da Copa aumentou muito isso, aumentou muito. Eu sei que a minha história é importante pra que eu possa ajudar outras pessoas, eu sei disso. E eu sei lidar muito bem com isso.     

Abud: Nesse sentido, você tem se envolvido em campanhas antidrogas já há algum tempo...  [interrompe corrigindo]

Walter Casagrande Jr.: Não, não! Campanha antidrogas, não. Eu não participo de nenhuma campanha antidrogas; eu faço palestras espalhadas pelo Brasil falando sobre a minha história, qual foi a experiência, explicando para as famílias porque elas não têm experiência sobre dependência química; eu conto tudo o que passou por mim, eu conto como eu penso as coisas. Eu não faço nem campanha antidrogas e nem campanha para liberação de drogas. Eu não participo de nenhumas das duas.

Abud: É, na verdade, o que você faz é ser muito claro no que você  passou e não esconder os momentos que a droga também proporciona. É um discurso que para as escolas é muito forte, não é?

Walter Casagrande Jr.: É porque a curiosidade do adolescente aumenta quando ele usa a droga e sente o prazer que ela te deu. Então aquele período inicial da droga, de qualquer uma das drogas, é super prazeroso. Mas todas as drogas são mentirosas. Um pouco pra frente você não sente mais aquele prazer, o uso aumenta para tentar sempre buscar aquele prazer inicialmente; você nunca consegue mais e aí você se complica. Aí a sua vida começa a ficar complicada. Eu nunca falei que a droga é ruim, porque ela não é ruim, porque ninguém se vicia em coisas ruins, entende? Eu deixo bem claro – mas tem que ser muito bem explicado isso para as pessoas – para elas entenderem. Eu acho que eu faço isso muito bem! 

Abud: Outra coisa que está presente no livro é o engajamento com as artes e com movimentos pela democracia. O quanto foram benéficos para sua travessia em substituição às drogas?

Walter Casagrande Jr.: Claro, é muito importante na vida isso, porque eu sempre fui uma pessoa do lado político. Lutei muito pela redemocratização do país, pela anistia; sempre gostei de música, de teatro, de cultura; e a droga me escravizou, não me deixou mais sair de casa pra fazer nada, nem em shows de rock eu ia; e quando eu me libertei das drogas, a parte do tratamento do lazer ela foi muito dolorosa para mim, foi muito difícil pra mim. Eu era forçado a ir; eu era obrigado a todo o sábado sair da minha casa para ir a um teatro ou para um cinema. E, na maioria das vezes, eu ia querendo ir mesmo, mas muitas vezes batia aquela depressão, aquela queda de não querer ir e a minha psicóloga me arrastava pra ir. E isso foi muito importante porque aí eu peguei esse hábito e esse gosto pela cultura. Então, durante a semana, por exemplo, eu vou duas vezes no cinema, que eu gosto de ir de terça – final de tarde – e quinta, final de tarde. São dois dias que eu gosto; no sábado, às vezes, eu vou no cinema à tarde e no teatro, à noite; ou cinema e cinema; ou à tarde eu não faço nada e eu vou no cinema e no teatro à noite; ou faço isso à tarde. Então eu faço a minha programação da semana. Hoje eu faço a minha programação da semana guardada na minha mente, mas eu fiquei muitos anos fazendo escrito, sabe?; ‘hoje eu vou fazer isso, amanhã isso, aquilo, aquilo outro, aquilo outro’ – para eu me adaptar à organização da minha vida, né, porque você está usando drogas você fica desorganizado. Então, isso daí foi a parte mais importante da minha recuperação. Por exemplo, o que está me fazendo muito falta hoje no isolamento social que eu ainda faço – eu só saio pra ir na Globo e volto; eu vou no Globo Esporte e volto; eu vou fazer o “Bem, amigos!” e volto; faço jogos e volto – agora que eu comecei a fazer fisioterapia porque eu tenho uma artrose muito forte no joelho esquerdo e como foi atrofiando a musculatura, comecei a ter uma dor muito forte, insuportável, que não dava nem para subir escada, nem andar e eu tive que começar a fisioterapia. Então o que eu estou sentindo mais falta nesse momento, já que eu estou trabalhado, fazendo jogo e o Globo Esporte, é exatamente o lazer; é exatamente poder ir no teatro, no cinema, jantar, almoçar com alguém; isso eu não estou fazendo de forma nenhuma e nem vou fazer até as coisas se resolverem. Se demorar um ano pra se resolver, eu vou ficar um ano dentro da minha casa. Eu entendo muito a importância e o risco que é você não fazer o isolamento social, entende?     

Abud: [Cita depoimento emblemático do Casão] – “Estar sóbrio faz você se acostumar com o prazer da vida, que não é igual ao da droga, mas é real”. Que mensagem você transmite com esse pensamento pra todo mundo que acompanha a sua travessia?

Walter Casagrande Jr.: Bom, pra aqueles que nunca usaram droga, ele só conhece o prazer da vida, que é um prazer mediano. Não tem nada na vida que te dá pico de prazer. Assim, eu jogando futebol, quando eu fazia um gol no Morumbi lotado, me dava o pico de prazer. O prazer que você sente quando faz um gol numa final de campeonato é o mesmo que você tem quando você cheira uma carreira de cocaína: um pico de prazer. O pico de prazer. Mas na vida normal, não se tem nada que dê pico de prazer. Tudo é um prazer meio que mediano, meio que tudo junto, sabe, não tem pico; tem uma base de prazer. E a droga te joga em pico de prazer o tempo todo, o tempo todo, o tempo todo. Então é um prazer falso, porque você cheira cocaína e sente um */%# prazer, mas não está acontecendo nada na vida pra você ter aquele pico de prazer. Não está nada acontecendo! Às vezes, inclusive, está tudo mal, você está numa situação ruim e aí você cheira te dá pico de prazer. Então o prazer que a droga oferece é mentiroso, porque ele é falso, não é real, não está acontecendo nada pra ter aquele pico de prazer. O prazer que a vida te dá ele é um prazer verdadeiro; você vai numa apresentação da orquestra do João Carlos Martins, no Teatro Municipal, e você se emociona com a música clássica e vem aquele prazer em você, é totalmente verdadeiro, você está vendo, você sabe o que está te dando prazer. É visível o que te faz ter prazer. É a orquestra, no Teatro Municipal, tocando músicas clássicas que está te dando prazer. O show do ‘Adonirando’ (homenagem a Adoniran Barbosa), que eu fiz no Teatro Municipal com a Baby, Rappin' Hood, Eduardo Gudin, Kiko Zambianchi, Nazi, Carlini, Paulo Miklos, Luiza Possi, Paulinho Boca de Cantor, Arrigo Barnabé, Cassio Scapin; todas essas pessoas fizeram um espetáculo tão maravilhoso e deu um prazer enorme de ver, mas você está vendo, você está sabendo porquê você está sentido prazer. E isso eu passo para as pessoas, entende? Aqueles garotos que estão usando drogas, que estão no vício, ou o usuário e sente aquele prazer que a droga está dando eu mostro pra eles que aquilo é falso, aquilo não é verdadeiro. Verdadeiro mesmo é o prazer de você ir no teatro, no cinema; namorar é um prazer real; você ver um teatro é um prazer real; você assistir um jogo de futebol do seu time é um prazer real; uma Copa do Mundo, uma Olimpíada, o seu joguinho de final de semana com os amigos te dá prazer real; você ir num churrasco com os amigos é um prazer real, entende? E eu tento mostrar isso para as pessoas.               

Abud: Casa, eu queria que você falasse um pouquinho sobre a sua amizade com o Gilvan e também dessa parceria entre vocês nos livros. Como é que isso começou?

Walter Casagrande Jr.: Eu era muito amigo do irmão dele, do Gilson Ribeiro. Sou ainda, né? O Gilson Ribeiro era um repórter da TV Globo, depois da TV Bandeirantes – espetacular, genial, do esporte. E nós pegamos uma amizade fortíssima eu e o Gilson (ele disse Gilvan, mas suponho que era o Gilson). Ele era repórter, ele cobria o Corinthians, eu jogava no Corinthians, a Democracia Corintiana, a gente tinha o mesmo estilo, o mesmo modo de ver a vida, as mesmas roupas, o mesmo gosto musical. E aí mais para frente eu conheci o Gilvan. E aí trabalhei com o Gilvan na ESPN, eu como comentarista e ele como repórter da ESPN, e aí a amizade foi crescendo, a gente foi se aproximando, tudo, mas eu acho que a aproximação se deu maior na realidade quando ele começou a querer fazer minha biografia. Em 2013, ele tentou muitas vezes fazer com que o Sócrates – que a gente se aproximasse novamente – e aí eu resisti um pouco pra fazer a biografia porque eu não estava preparado, eu não estava pronto; logo que eu sai da clínica eu não estava pronto pra fazer uma história, pra contar a minha história, eu não estava pronto; tinha muita coisa ainda que eu tinha que perceber e evoluir que eu não poderia fazer naquele momento. Então eu esperei, esperei, e chegou uma hora que eu achei, eu falei ‘Gilvan vamos fazer’. Fizemos o primeiro livro, deu super certo porque ele me conhece muito bem e eu falei pra ele: ‘Gilvan, eu quero que você tente escrever as coisas do modo que eu falo, do jeito que eu sou para as pessoas que forem ler se sentirem conversando comigo’, entendeu?’. E ele fez isso perfeitamente, perfeitamente. Cada livro melhorou: no livro do Sócrates é espetacular; o diálogo final que nós inventamos juntos, eu e o Sócrates, falando, conversando eu sobre a minha dependência e ele sobre o alcoolismo dele – e aquilo foi genial; aquilo foi sensacional. Então o Gilvan consegue passar para o papel o modo que eu falo, o jeito que eu falo, entendeu? Minhas ideias, meus gostos, tudo.           

Abud: Muito bom! Algo interessante do livro são os diminuitivos: um chopinho, um tirinho, um baseadinho. O quanto você aprendeu que isso é prejudicial e o quanto transmite para os jovens e a quem convive com você?

Walter Casagrande Jr.: O que eu quero mostrar é o seguinte: um tirinho, um chopinho, uma bebidinha, um cigarrinho, sabe, um baseadinho?; quando você fala assim, no diminutivo, é que você está dando um glamour pra aquela coisa. Você está tirando ‘oh, não é tão assim, é só um baseadinho, sabe?’; ‘é um tirinho só, não vai fazer mal’. Então você coloca na sua cabeça que aquilo não tem perigo nenhum. É a própria mente que faz isso com você e a pessoa tem que prestar atenção porque isso aí é muito perigoso. Se você ficar ‘é só um tirinho’ você vai ficar a noite toda. Você começa com só um tirinho às dez da noite e vai parar duas da tarde. Você começa com um chopinho e quatro da manhã você está bêbado num bar, entende? Então é isso! O diminutivo é pra dar um glamour e tirar o risco, diminuir o risco pra você se justificar pra você mesmo: ‘ah eu estou usando, mas assim, tudo tranquilo’. E isso é uma coisa muito difícil, muito perigosa. 

Abud: Pra terminar, eu queria que você falasse dos próximos passos. No livro, você cita uma aproximação com a deputada Tabata Amaral e projetos em escolas. O quanto isso é viável no momento social e político em que estamos e o quanto tem se envolvido com outros projetos?

Walter Casagrande Jr.: Então, esse é um objetivo, um sonho meu fazer. As coisas estão se misturando; a coisa tem que se acalmar e ter uma direção só pra você conseguir fazer esse projeto, colocar em prática esse projeto. Eu sou envolvido com projetos hoje democráticos, antirraciais, contra a homofobia, contra a prostituição infantil, feminicídio; vários projetos, eu participo de movimentos antirracistas, é uma preocupação muito séria pra mim. Então eu estou envolvido muito forte; as causas indígenas eu estou muito dentro; hoje, por exemplo, eu vou ter uma ouvidoria com duas lideranças indígenas, a Sônia Guajajara e o Kreatã. Então eu estou super envolvido, eu estou envolvido na organização e na realização dos jogos indígenas de 2021. Então eu estou envolvido em diversos projetos sociais nos povos indígenas e antirracistas e pela democracia.          

Abud: Como é que surgiu esse envolvimento após essa ressocialização? Veio de um convite, de uma iniciativa sua ir atrás desses temas?

Walter Casagrande Jr.: Não, o lance é assim: primeiro, do lado dos povos indígenas eu sempre tive uma preocupação muito grande com desmatamento ilegal, garimpo ilegal. E aí eu tenho um contato, que é a Moara Passoni, ela é roteirista, fez o roteiro do “Democracia em Vertigem”. E ela me procurou pra fazer um projeto sobre a Democracia Corintiana, a gente se aproximou muito e ela me falou que era próxima das lideranças indígenas; e eu falei ‘eu quero conhecer, eu sou louco pra conhecer; eu quero estar dentro, eu sou super preocupado com a situação da Amazônia, do Pantanal, da Mata Atlântica; e aí ela fez essa ponte comigo e eles têm muita confiança em mim, eu conquistei uma credibilidade muito forte com todas as pessoas indígenas, os atletas indígenas e as lideranças indígenas. E eu estou na causa também contra o desmatamento para demarcações de terras indígenas, contra o garimpo ilegal, estou dentro e estou muito dentro e forte na organização dos jogos indígenas do ano que vem. Porque não é só jogos esportivos, tem uma questão do meio ambiente, tem uma questão dessa luta do governo contra os povos indígenas, que é uma coisa absurda. A proteção dos indígenas – são os protetores da selva, da floresta, aliás, da floresta Amazônica, do Pantanal. Eles são os protetores da Mata Atlântica e precisam de segurança e de proteção porque eles são completamente vulneráveis: a questão de doenças, a questão de violência.             

Abud: Eu fiquei realmente muito envolvido com o livro e com a sua história, tá bom?   

Walter Casagrande Jr: Valeu, meu irmão, tchau!

 

 

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